Novos ares chegando? Mudanças Significativas no Setor da Publicidade Brasileira

Três eventos ocorridos nos últimos quatro meses estão trazendo novos ares para o cliente - relações com agências de publicidade no Brasil. Esses eventos tiveram início em dezembro de 2020, com a investigação da autarquia brasileira em defesa da concorrência, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), ao examinar as práticas de benefícios de mídia da Rede Globo e terminaram este mês com um CEO de uma agência de publicidade discutindo publicamente a relação entre a remuneração do cliente e os bonificação de volume (BV’s) para as agências de publicidade. No meio desses dois eventos, surgiu uma notificação da principal associação de brasileira de anunciantes (ABA) declarando que estava deixando o conselho executivo da autoridade autorreguladora do país, o CENP.

O CADE investiga os pagamentos de incentivo da Rede Globo

Em dezembro de 2020, o CADE anunciou que desde fevereiro de 2020 vinha investigando a natureza anticoncorrencial dos benefícios de mídia pagos pela Rede Globo para agências de publicidade. O CADE classificou os planos de incentivo da Globo como uma violação à ordem econômica por abuso de uma posição dominante. O CADE determinou que a Rede Globo parasse de pagar incentivos e bônus sobre o volume de mídia a agências de publicidade sobre os seus atuais e futuros planos de incentivo. A penalidade para o não cumprimento dessa determinação é uma multa diária, no valor de R$ 20.000,00. No dia 18 de dezembro, a Globo obteve a concessão de uma liminar contra a sentença da Justiça Federal Brasileira. A Globo poderá continuar com seus planos de incentivo até que o CADE conclua sua investigação.

A prática de pagar bônus sobre o volume investido em anúncios já conta com 60 anos e não é privilégio da Globo. O CADE, em seu processo contra a Globo, reconheceu que os incentivos de mídia representam a maior fonte de renda das agências. Entretanto, o CADE considerou as práticas de pagamento de bônus sobre o volume investido em anúncios (AVB) da Globo como únicas e anticoncorrenciais. Por outro lado, a investigação do CADE poderia ser vista como oportunista, uma vez que a Globo tem sido o objetivo do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. No primeiro mês de seu mandato em janeiro de 2018, o presidente Bolsonaro pediu ao legislativo que aprovasse uma lei proibindo os incentivos à mídia. Esse pedido foi visto, de modo geral, como um troco por parte do presidente pela cobertura negativa da Globo à sua campanha presidencial. Como já era esperado, essa lei não foi aprovada.

Ações anteriores realizadas pelo CADE na arena publicitária, como sua investigação de 2016 para avaliar se o CENP representava uma entidade monopolística, não resultaram em mudança. Se a investigação do CADE resultou ou não em mudança é discutível, uma vez que os principais participantes do mercado já alavancaram a ação para ganhar mais transparência na arena publicitária do Brasil.

Associação de Anunciantes Brasileiros (ABA) se afasta do Conselho Executivo de Normas Padrão (CENP)

Em janeiro de 2021, a Associação de Anunciantes Brasileiros (ABA) informou à autoridade autorregulatória do setor de publicidade, o CENP que estava se desligando do Conselho Executivo do CENP. A ABA foi fundadora do CENP e está no conselho executivo há mais de 20 anos. O CENP estabelece o relacionamento comercial entre os provedores de mídia, agências de publicidade e anunciantes. Dentre outras coisas, o CENP estipula:

1) banir o crédito de bônus por volume das agências/Incentivo aos clientes,

2) estabelecer requisitos de remuneração mínima para as agências e

3) proibir efetivamente agências de compras de mídia de operarem no Brasil. 

O conselho do CENP foi igualmente representado por anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação. Muitos dos principais anunciantes nacionais são membros da ABA: Mondelez, L’Oréal, Unilever, Stellantis, J&J, and P&G, só para citar alguns.  

A ABA justificou seu desligamento do CENP afirmando que, com o passar do tempo, o CENP, particularmente, não se adaptou às áreas de mídia digital, transparência e concorrência aberta. Membros da ABA comentaram com a FirmDecisions que atribuem sua retirada à investigação do CADE e à falta de alternativas de compra de mídia competitiva pelos anunciantes. A ABA gostaria de ter um CENP renovado ou uma nova entidade autorreguladora.  Nesse sentido, no final de março de 2021, a ABA acatou de bom grado as discussões do Internet Advertising Bureau (IAB) do Brasil, uma associação comercial que frequentemente expressou consternação em relação à abordagem do CENP. Qualquer que seja o resultado de um CENP renovado ou um novo CENP, é provável que as agências de publicidade, à luz das frustações dos clientes, tornem-se mais receptivas em assuntos anteriormente delicados, tais como, os incentivos de mídia e à remuneração de agências.

Um CEO de uma Agência discute remuneração de agência e volume de bônus das agências.

Em entrevista da edição de 5 de abril de 2021 da Meio & Mensagem, maior e mais influente jornal de negócios do Brasil, Fernando Tarrelli, CEO da VMLY&R Brasil, afirmou que:
“Primeiro: já existe transparência com com o BV” (bonificação de volume). O BV é parte da remuneração e não existe cliente que o desconheça e não fale sobre ele. Ele ajuda o mercado, no sentido de preservar talentos. O mercado pecou no passado, transformando o BV em um caixa preta …..O setor precisa e merece adotar um modelo de transparência, com equipes dedicadas, com horas/homem e BV como parte da equação, porém, gerando valor e não com a visão antiga”

É revigorante ver um executivo de uma agência de publicidade discutir incentivos de mídia em público. No entanto, o executivo da VMLY&R continua a enfatizar o ponto de vista do setor de que os incentivos pagos pelas empresas de mídia são indispensáveis para a manutenção de talentos de excelência dentro de uma agência. Implícito nesta posição estão os pressupostos das agências de que o Volume de Bônus das Agências (AVBs) são fundamentais, uma vez que os clientes não estão dispostos a pagar pelo custo total da equipe em suas contas. O que não é dito nessa posição é que os incentivos das empresas de mídia estão discretamente moldando os investimentos de mídia dos clientes e indiretamente o perfil de contratações de pessoal das agências.

A atividade durante os primeiros quatro meses de 2021 deverá estimular os clientes a terem diálogos mais sólidos com as agências brasileiras no que diz respeito à transparência na mídia e remuneração das agências. Esperar que o mercado oficialize o sentimento atual pode fazer com que a brisa fresca do momento venha a tornar-se obsoleta.